Colegas insinuaram que ela havia comprado gabarito da prova, de 2008.
Mulher também foi aprovada no STJ, Ministério do Trabalho e MPU.
Renata Moraes,
no G1
Título
original: ‘Pensaram que eu era analfabeta’, diz faxineira do STF que passou no
órgão
Após
cinco anos trabalhando como faxineira no Supremo Tribunal Federal, Marinalva
Luiz achou que era uma brincadeira ver o próprio nome na lista de aprovados no
concurso do órgão. A mulher passou semanas mergulhada nos livros e anotações
para a prova de técnico judiciário. O resultado também surpreendeu colegas, que
chegaram a insinuar que ela havia comprado o gabarito.
“Minha
família e amigos já sabiam que eu ia passar, pois eu estudava sem parar e só
falava em concurso e mais concurso”, disse. “Muita gente, infelizmente, não
gostou da novidade. As pessoas ficaram em choque, não esperavam que uma moça
que trabalhou na limpeza do tribunal tivesse conhecimento suficiente para
passar, ainda mais que concorri com quem já tinha se formado em advocacia. O
preconceito está enraizado na sociedade brasileira ainda.”
O
concurso aconteceu em 2008. O salário previsto era de R$ 3 mil – 500% a mais do
que os R$ 500 que ela recebia mensalmente. Marinalva foi a 29ª colocada e
aguardou os quatro anos de validade do certame pela convocação. Mesmo com a
seleção expirando antes, a mulher não desanimou e passou em outras três provas:
Superior Tribunal de Justiça, Ministério do Trabalho (onde está atualmente) e
Ministério Público da União.
Para
ela, o fato de sempre ter apreciado literatura influenciou nas conquistas. “Eu
sempre gostei de ler. Lia desde gibi a Karl Max. Na minha casa tinha mais
livros e revista do que em qualquer casa do meu bairro. As pessoas não
entendiam porque eu e minha irmã líamos tanto. Hoje vejo que isso foi
fundamental e um diferencial na minha vida.”
A
mulher também baixou conteúdos em sites e pedia ajuda de amigos da família que
trabalhavam no Judiciário. Nascida em Anápolis, cidade goiana a 160 quilômetros
de Brasília, ela decidiu atuar na área de limpeza porque o salário era melhor
do que o que recebia trabalhando em uma loja para noivas e como costureira.
“Duvidavam
da minha capacidade porque eu era auxiliar de serviços gerais e, como tal,
deveria ter muito pouco estudo. Não aceito que me julguem sem me conhecer”,
afirma. “O que me deixou impressionada foi pensarem que, por ter trabalhado na
limpeza, era analfabeta ou coisa do gênero. Eu já tinha o ensino médio,
trabalhava numa butique mas ganhava menos que na limpeza e trabalhava muito. No
STF era muito melhor! Nunca me abati com isso, mas, realmente, inveja é uma
coisa que te assusta.”
Marinalva
diz que a família tinha pouco recursos, mas que nunca precisou parar de
estudar. “Nós eramos pobres, mas tínhamos tudo o que precisávamos. Livros,
roupas, brinquedos; meus pais se esforçavam e nos davam. Mas, como todo mundo,
você sempre quer mais, e eu queria morar numa casa com piscina, muita árvores,
pois lembra muito a minha infância.”
Segundo
ela, a melhor vantagem do emprego no serviço público foi poder incluir a mãe
como dependente no plano de saúde. “Ela foi muito bem tratada nos melhores
hospitais do Plano Piloto e Taguatinga, especialmente no Santa Marta e São
Francisco, onde infelizmente, ela veio a falecer, há dois anos.”
Marinalva
conta que chegou a começar a estudar direito, mas decidiu trancar o curso por
ver que não era exatamente o que queria. Ela voltou a costurar e diz sonhar em
fazer moda nos próximos anos.
“Voltei
a costurar por raiva”, ri. “Toda vez que pedia uma costureira para fazer umas
roupas, ela demorava demais ou [as peças] não ficavam do jeito que eu queria.
Como já tinha trancado a faculdade, já estava procurando uns cursos para fazer,
dar uma boa revisada em ajustes e conhecer novos métodos de ensino. Daí vi que
realmente costurar é uma coisa que adoro fazer, independentemente de ser uma
profissão. Todo dia faço algo. Para meus amigos e parentes, faço consertos e
reformas.”
Dicas
A
mulher diz que, para a prova do STF, se preparou com o conteúdo de analista
judiciário – com curso superior – e não para o de técnico. Assim, afirma,
acumulava mais conhecimento. Ela também conta que estava decidida a passar em
concurso e que acha que a determinação contribuiu para o sucesso.
“Vários
colegas faziam deboche quando fui aprovada, vieram correndo me falar que não
iria ser chamada. É uma coisa que você vê se você quiser. Eu nunca deixei que
me jogassem para baixo, mas não imaginei que fosse calar a boca de tanta gente
depois que fui aprovada”, conta.
“A
primeira dica é: decida onde você quer trabalhar. Eu só fiz concurso para o
judiciário porque as matérias são as mesmas e somente o regimento interno que
muda. Fiz do Ministério do Trabalho porque queria incentivar uma amiga a
estudar e acabei fazendo a inscrição no último dia. Caí aqui de paraquedas”,
ri. “Segundo: estude por livros e sites, nunca compre apostilas. Além de
resumidas demais, são caríssimas. Um exemplo: quando estudava ainda para o STF,
já tinha tudo quanto era exercício feito. Uma amiga comprou uma apostila na
banca de revista e fui dar uma olhada apenas nos exercicios sobre a legislação
do tribunal.”
Marinalva
afirma que os exercícios eram iguais aos que já tinha em casa. A terceira dica
dela é manter o foco. “Vi gente estudando ao mesmo tempo para bancos,
tribunais, agências reguladoras, Metrô etc. Nossa! Você acha que nosso cérebro
armazena todo esse tipo de informação em curto prazo? São órgãos diferentes, as
matérias às vezes também são.”
A
mulher conta se sentir feliz ao ver que outras pessoas ficam motivadas ao
estudar quando conhecem a história dela. Para ela, a principal lição com a
própria experiência foi ver que todo mundo é capaz.
“Eu
passei num concurso que era disputadíssimo entre os funcionários da minha
empresa, estagiários. Eu passei e eles não. O diferencial foi que não estudei
para passar, estudei para aprender e entender como funciona o nosso Estado
Brasileiro. Fui devagarinho. O que não entendia, voltava e fazia tudo de novo.
E uma frase que resume bem o eu fiz foi: “Sem saber que era impossível, ele foi
lá e fez’.”
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