Alix Christie surpreendeu-se ao descobrir que Gutenberg não foi o
único inventor da prensa. Teve um capitalista e um 'artista gráfico' a ajudá-lo
a revolucionar o mundo.
"É
preciso comportar-se como um imbecil para fazer qualquer coisa realmente
nova". Quem faz esta afirmação sobre Gutenberg e a invenção da impressão é
Alix Christie, a autora de O Aprendiz de Gutenberg. Não se fica por este
exemplo para mostrar como a teimosia é fundamental para a inovação, dá também o
do pintor Matisse, de quem em vida “todos detestavam o seu trabalho, mas não
abdicou de pintar como queria” para mostrar como a atitude de Gutenberg
resultou num dos saltos tecnológicos mais importantes para a humanidade. E por
falar em teimosia e inovação, Alix Christie evoca também Bill Gates e Steve
Jobs: “Só conseguiram o que queriam porque eram engenheiros muito focados em
criar um produto e nunca aceiraram que a opinião de outros se sobrepusesse à
sua. Essa é a única forma ou nunca teriam concretizado as revoluções que
fizeram.”
O
Aprendiz de Gutenberg é o primeiro romance que Alix Christie publica e
tornou-se um sucesso nos vários países onde tem sido traduzido pelo choque que
provoca nos leitores ao verem desfeito o mito de Gutenberg como o único
inventor da prensa. “Ninguém sabe a verdadeira história de Gutenberg.
Pensávamos que era um génio solitário ao fazer a segunda maior descoberta para
alterar a história da humanidade após a invenção da roda, mas não é verdade. Se
não fossem duas outras pessoas, o rico mercador Johann Fust e o escriba Peter
Schoeffer, ele não teria conseguido”, esclarece a autora.
Alix
Christie descobriu o argumento para o seu livro ao ler um artigo sobre como
Gutenberg criara os caracteres para compor as linhas dos livros, só que ao
investigar como é que tinha desenvolvido a prensa descobriu que nunca o
conseguiria sem um grandioso investimento financeiro de Fust e a arte de
copista de Schoeffer: “A atribuição dessa invenção a um homem só é a versão
transmitida historicamente, mas não está correta. E só uns poucos especialistas
académicos sabem a verdade.” Como é que essa coautoria não se tornou pública é
a grande pergunta, a que Christie responde assim: “Gutenberg era muito
grosseiro, conflituoso e queria o reconhecimento só para si, tendo lutado por
essa memória até ao fim da vida. Aliás, era conhecido por colocar processos a
toda a gente, até à noiva que não casou com ele.”
Como
é que a autora descobre o papel do financiador e do escriba, é a pergunta que
se segue: “Tive sorte porque falo alemão e pude consultar fontes que não são as
inglesas e americanas sobre esse período da história. Além de que encontrei uma
biografia sobre Peter Schoeffer, em que se percebia o seu papel na invenção
atribuída a Gutenberg ao encontrar uma liga metálica suficientemente
resistente. E também percebi que sem a contribuição financeira de Fust, que
hoje rondaria vários milhões de euros, a concretização não seria possível.”
Christie
acredita que a invenção acabaria por surgir mais cedo ou mais tarde porque era
muita a procura por objetos que se tornariam os livros como se os vieram a
conhecer. “As universidades tinham aparecido pouco tempo antes, havia uma
burguesia que queria aprender e Gutenberg farejava os bons negócios, pois já
produzia medalhas para os peregrinos que eram vendidas nas feiras. Ele queria
ganhar dinheiro e não estava interessado em livros, apenas no lucro. A escolha
da Bíblia como o grande projeto foi devido à influência do escriba Schoeffer,
obra que tinha um grande potencial de leitores porque até então só era
publicada parcialmente e em versões diferentes. O que agradou à própria Igreja.”
Inspirado em Steve Jobs
Para
modelar o protagonista Gutenberg, Alix Christie inspirou-se em Steve Jobs: “Ambos
eram muito coléricos e determinados. O processo de criação da prensa foi muito
parecido ao que foi o do computador e da Internet. A oficina de ferreiro onde
se moldavam e aperfeiçoavam os caracteres é comparável ao das pequenas empresas
do Silicon Valley, onde as grandes
novidades resultam da colaboração de várias pessoas. Ou seja, a invenção da
imprensa por Gutenberg resultou da primeira startup
do mundo. Havia a ideia de Gutenberg, o financiamento de Fust e a arte de
Schoeffer.”
Não
será por acaso que Alix Christie inventou a seguinte frase publicitária para O
Aprendiz de Gutenberg “Antes de Zuckerberg houve Gutenberg”. Explica: “Nasci e
vivi sempre no Silicon Valley, onde
os que lá trabalham acham-se os salvadores do mundo. Depois de acabar o livro
comecei a pensar no paralelismo entre a invenção de Gutenberg e a revolução
digital de Bill Gates, Steve Jobs e Zuckerberg e encontrei o slogan.” Comparar a invenção do livro e
a Internet é para Christie uma possibilidade real: “Creio que a transformação
digital terá o mesmo impacto que a do livro e irá mudar a natureza humana. Não
sabemos como isso irá acontecer, mas já se veem os efeitos do UBER nas empresas
dos táxis, da Airbnb nos hotéis, do jornalismo online nos jornais em papel e do
Facebook nas relações entre pessoas. Acho que eles criaram um novo mundo, o
digital, e os que os seguiram acreditam “religiosamente” no que estão a fazer.
O que é curioso, porque Peter Schoeffer era apaixonado pelo processo de
reprodução tradicional, o do copista, e teve uma grande crise de fé porque
sabia que se contribuísse para a invenção de Gutenberg iria matar a sua
profissão e uma tradição literária de séculos. Em sua defesa, pensou que se
estava metido no processo era por vontade de Deus. Tal como Gates, Jobs e
Zuckerberg acreditam que estão a fazer o melhor à humanidade.”
Fonte: Diário de Notícias
Fonte: Diário de Notícias
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